AbdonMarinho - Violência

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DOROTHY STANG, PRE­SENTE? OU HIPOCRISIA E CONVENIÊNCIAS

Escrito por Abdon Mar­inho

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Por Abdon Mar­inho.

OS AMI­GOS lem­bram da mis­sionária amer­i­cana Dorothy Stang, assas­si­nada com seis tiros no ano de 2005? Lem­bram dos protestos infla­ma­dos de políti­cos, defen­sores de dire­itos humanos, etc.? Lem­bram dos protestos con­tra a impunidade e pala apu­ração, iden­ti­fi­cação e punição dos respon­sáveis? Lem­bram de todas jus­tas man­i­fes­tações e denún­cias con­tra o Brasil nos fóruns inter­na­cionais? Lem­bram dos protestos de enti­dades, par­tidos e organ­is­mos pedindo justiça?

Os protestos gan­haram quase a mesma reper­cussão que se assiste atual­mente em face do assas­si­nato da vereadora car­i­oca Marielle e do motorista Ander­son Silva. E, aque­les que protes­taram por justiça seriam, basi­ca­mente os mes­mos.

Pois bem, a polí­cia, o min­istério público e a justiça fiz­eram seu tra­balho. Apu­raram, iden­ti­ficaram, denun­cia­ram e con­denaram os assas­si­nos e os man­dantes do homicí­dio. A con­de­nação dos impli­ca­dos foi con­fir­mada em segunda instân­cia, que deter­mi­nou o cumpri­mento da pena.

O que talvez os ami­gos não saibam é que min­istro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tri­bunal Fed­eral, con­cedeu Habeas Cor­pus a Regi­valdo Pereira Galvão, con­de­nado a 25 anos de prisão por ser um dos man­dantes do assas­si­nato da mis­sionária Dorothy Stang, em 2005, em Anapu (PA). O fazen­deiro, con­hecido como “taradão”, foi solto na tarde desta sexta-​feira (25÷5) do Cen­tro de Recu­per­ação Regional de Altamira, cidade do mesmo estado.

O ilustrado min­istro enten­deu que “pre­cip­i­tar a exe­cução da pena importa ante­ci­pação de culpa”, o que seria con­trariar a Con­sti­tu­ição Fed­eral.

O min­istro, com sua decisão, traz a lume a dis­cussão sobre a ante­ci­pação do cumpri­mento da pena que o Supremo Tri­bunal Fed­eral, decidiu, ainda em 2016 e por estre­ita margem (ape­nas um voto), não estaria em descon­formi­dade com a Carta Magna – já trata­mos disso em tex­tos ante­ri­ores, onde expus minha opinião.

A decisão do min­istro Marco Aurélio Mello é bem recente, mas pas­sou quase des­perce­bida. Ape­sar dos treze anos em que o caso se arrasta, não vi, não li e não tomei con­hec­i­mento de nen­hum protesto daque­les que por ocasião da morte da mis­sionária se esgoe­laram; nem par­tidos, nem políti­cos, nem enti­dades, nem ninguém. A soltura do con­de­nado, alcun­hado de “taradão”, para todos aque­les que tanto se man­i­fes­taram está per­feita­mente nor­mal. E, é pos­sível que esteja.

Acon­tece que fosse outra a cir­cun­stân­cia exi­s­tiriam protestos, irres­ig­nação, acusações, man­i­festos assi­na­dos por todos eles recla­mando con­tra a injustiça, con­tra a vio­lên­cia, con­tra o fato das punições não alcançar os bem nasci­dos.

Não duvido que para fazer pros­elit­ismo político, até lem­brassem do par­entesco do min­istro do STF com o ex-​presidente Fer­nando Col­lor de Mello.

E o amigo deve está se per­gun­tando a razão do silên­cio da turma que tem nos diver­sos pros­elit­ismos e protestos suas razões de viver.

A resposta é uma só: essa turma tra­balha com per­spec­tiva de devolver a liber­dade aos seus que estão pre­sos e os que estão na iminên­cia de con­hecerem o sis­tema penal brasileiro, a par­tir do seu inte­rior, por crimes diver­sos con­tra país.

Enten­deram? Por que con­stranger, com protestos, o min­istro que será voto certo pela liber­dade dos seus ali­a­dos? O que sig­nifica a soltura do man­dante do assas­si­nato de uma mis­sionária de 73 anos, muitos dos quais ded­i­ca­dos a causa dos mais humildes víti­mas do lat­ifún­dio e da vio­lên­cia, se ela abre cam­inho para soltarem Lula, Zé Dirceu, Vac­cari e tan­tos out­ros?

Soltar o “taradão” não é nada. É assim que fun­ciona a men­tal­i­dade de muitos destes ves­tais. Todos os meios, ainda os mais asquerosos, servem para jus­ti­ficar os fins.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

QUANDO A REAL­I­DADE SE IMPÕE.

Escrito por Abdon Mar­inho

QUANDO A REAL­I­DADE SE IMPÕE.

Por Abdon Marinho.

QUEM acred­ita em coin­cidên­cias diz que foi mera fatal­i­dade. Os que não acred­i­tam dizem que foi tão somente a imposição da real­i­dade sobre o discurso.

O fato, entre­tanto, não pode­ria ser mais emblemático: no mesmo dia em que o gov­er­nador, em artigo assi­nado e pub­li­cado no Jor­nal Pequeno, tecia loas a polit­ica de segu­rança do seu gov­erno, jus­ta­mente neste dia, a ilha acor­dou sobres­saltada com as notí­cias de vio­lên­cia extrema. Na madru­gada foi um del­e­gado da Poli­cia Fed­eral que teve a vida ceifada (em princí­pio vitima de um assalto mal­suce­dido no bairro do Araçagi, São José de Riba­mar), antes deste fato ou logo depois um cidadão, tam­bém, vitima de um assalto, levou um tiro no rosto e se encon­tra inter­nado num hos­pi­tal da cap­i­tal; ainda na manhã domingo, chegou-​nos a infor­mação de que uma cri­ança, de ape­nas sete anos, mor­rera, atingida na cabeça durante uma troca de tiros entre mem­bros de facções rivais no Bairro de Fátima.

São fil­hos que nunca mais des­fru­tarão de um abraço do pai, uma esposa que não terá o aconchego do marido; são pai e mãe que, na inver­são da ordem nat­ural da vida, não verão o filho crescer, dar-​lhe netos, cuidar deles na vel­hice; são viti­mas para os quais não se sabe a exten­são das sequelas.

Como num roteiro macabro, escrito com o propósito de des­men­tir sua excelên­cia, todos esses fatos chegaram ao con­hec­i­mento da pat­uleia antes que tivésse­mos tempo de con­cluir a leitura do curto texto de autoel­o­gios, onde fes­teja, segundo as próprias estatís­ti­cas, sub­stan­ciosas reduções nos índices de crim­i­nal­i­dade na cap­i­tal e no inte­rior.

Não tenho ele­men­tos para aquilatar o grau de efe­tiva redução nos indi­cadores de vio­lên­cia, faz tempo – mas, acred­ito, já no atual gov­erno –, que o servi­dores do IML foram “proibidos” de repas­sarem a imprensa os dados das ocor­rên­cias e os meios de comu­ni­cação deixaram de inves­ti­gar os fatos rela­ciona­dos a eles.

Assim, os inter­es­sa­dos em saber os números e a natureza das ocor­rên­cias pas­saram a con­tar, uni­ca­mente, com o cadas­tro ofi­cial do sis­tema de segu­rança.

Sem embar­gos ou ques­tion­a­men­tos um corpo achado crivado de balas, deixa de ser homicí­dio e vira, na estatís­tica, “achado de cadáver”; o cidadão é alve­jado por balas ou facadas e morre um ou dois dias depois no hos­pi­tal, deixa de ser homicí­dio para ser “lesão cor­po­ral seguida de morte” e assim suces­si­va­mente. O que não fal­tam são meios de “dis­farçar” dados.

A falta de inter­esse e/​ou acom­pan­hamento externo facilita que ocor­ram tais situ­ações e que se “venda” uma falsa sen­sação de segurança.

A tragé­dia ocor­rida com a família do Del­e­gado Fed­eral David Aragão era anun­ci­ada desde sem­pre. São raras as residên­cias do Araçagi que ainda não foram assaltadas, arrom­badas ou fur­tadas. Até parece que o bairro virou uma espé­cie de “tra­balho” para os mar­gin­ais que, todos os dias, vão lá fazer o “apu­rado do dia”. Não raros são os ami­gos que con­tam uma história de vio­lên­cia envol­vendo um outro amigo, um par­ente, um con­hecido… descam­bar para latrocínios, estupros, etcetera era algo que acon­te­ceria mais cedo ou mais tarde e que, infe­liz­mente, voltarão a acontecer.

Outro dia – até já escrevi aqui –, ouvi a nar­ra­tiva ater­ror­izante de um amigo-​vítima da vio­lên­cia naquele bairro. Ced­inho, por volta das 6 horas, ele saiu de casa para deixar a esposa na parada de ônibus e voltar para levar a filha no colé­gio. No retorno, quando abria o portão, os ban­di­dos o abor­daram e o ater­rorizaram, pas­sou os piores momen­tos da sua vida temendo pelo que pode­ria lhe acon­te­cer como à sua filha. Segundo ele – para encur­tar a con­versa –, só está vivo para con­tar a história, por causa da filha. Foi isso que lhe deixou claro os ban­di­dos: que só não o matavam para não deixar trauma­ti­zada a cri­ança que, ater­ror­izada, assis­tia a tudo.

Em resumo: após este episó­dio aban­do­nou a casa que lhe con­sumira anos de inves­ti­men­tos na con­strução e foi morar num aparta­mento.

E, são tan­tos os episó­dios de vio­lên­cia, o aban­dono do bairro pelas autori­dades, a falta de infraestru­tura básica, que pas­saram a lhe apel­i­dar de “Araçag­iquistão”, uma refer­ên­cia a vio­lên­cia naque­les países do Ori­ente Médio e out­ros do entorno.

Em que pese as estatís­ti­cas ofi­ci­ais – e que não temos como con­tes­tar – diz­erem que esta­mos indo muito bem, obri­gado!, o que vemos nos bair­ros, sobre­tudo os mais pobres e nas per­ife­rias dos municí­pios da ilha, rev­ela uma outra real­i­dade.

A morte da cri­ança na troca de tiros ou o assalto que cul­mi­nou com a ten­ta­tiva de homicí­dio do empresário na porta de casa são ape­nas os exem­p­los mais gri­tantes.

O Bairro de Fátima sem­pre teve um histórico de vio­lên­cia, mas as pes­soas, até mesmo de fora, con­seguiam cir­cu­lar livre­mente, o mesmo acon­te­cendo no Anil, na Liber­dade, Coroado, Vila Isabel Cafeteira, Vila Litorânea, Div­inéia, Sol e Mar e Luizão.

Eu mesmo can­sei de cir­cu­lar por estes bair­ros com a mesma desen­voltura que cir­culava pelo cen­tro de São Luís, hoje, nem no cen­tro. Não há, nes­tas local­i­dades, uma viela, uma rua, uma quadra ou mesmo o bairro inteiro que não esteja sob o domínio de uma facção crim­i­nosa.

São elas (facções) que deter­mi­nam até se o cidadão deve cir­cu­lar com os vidros dos car­ros fecha­dos ou aber­tos.

Os muros estão cheios de inscrições avisando a pop­u­lação quem é que manda na área e pas­sando instruções aos moradores.

Diante de tais situ­ações, ainda que tenha havido (e não tenho como aferir isso) uma redução nom­i­nal no número de homicí­dios, con­forme fes­te­jado pelo gov­erno, a real­i­dade mostra que aumen­tou a área de domínio das facções crim­i­nosas em toda ilha – com todas suas nefas­tas con­se­quên­cias –, sem que o poder público mostre que, efe­ti­va­mente, tem domínio da situação.

O certo é que teve pouca valia a leitura do texto gov­er­na­men­tal exul­tante com a redução da vio­lên­cia para aque­les que estavam no mesmo dia em que o lia, velando seus mor­tos, torcendo pela resistên­cia de seus feri­dos ou para aque­les que vive o dia a dia sob o domínio do medo.

Abdon Mar­inho é advogado.

A BAR­BÁRIE, A IMPUNIDADE E O SUPREMO.

Escrito por Abdon Mar­inho

RECOR­DAR É VIVER:
SOBRE O CUMPRI­MENTO ANTE­CI­PADO DA PENA.
O BRASIL exper­i­menta dias de rad­i­cal­is­mos por conta da decisão rela­cionada ao Habeas Cor­pus do ex-​presidente Lula, con­de­nado em primeira e segunda instân­cia.
Naquela opor­tu­nidade escrevi o texto que segue abaixo:
A BAR­BÁRIE, A IMPUNIDADE E O SUPREMO*.
Por Abdon Mar­inho.
– Agora las­cou.
Com estas palavras, me alcança um amigo, na madru­gada seguinte à decisão do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, que deliberou, em um caso con­creto, sobre a pos­si­bil­i­dade do con­de­nado em primeira e segunda instân­cias da justiça, ini­ciar o cumpri­mento da pena, ainda que com recur­sos pen­dentes nos tri­bunais supe­ri­ores.
Na tarde do mesmo dia, enquanto aguar­dava o jul­ga­mento de um processo no Tri­bunal Regional Eleitoral — TRE/​MA, foi a vez de um jovem colega indagar-​me e cobrar que opinasse sobre o tema.
A decisão da Corte Suprema talvez tenha sido o ápice uma sem­ana excep­cional­mente per­tur­badora para mim e que me faz pen­sar sobre o quê aguarda a humanidade.
Duas notí­cias vin­das do inte­rior do Maran­hão – que ainda custo em acred­i­tar – remete-​nos a um mundo de bar­bárie que pen­sava não mais exi­s­tir ou que estivesse muito longe da nossa real­i­dade.
A primeira, de São Bernardo, municí­pio de menos de 30 mil habi­tantes, nos dando conta que “pop­u­lares» invadi­ram e seques­traram pre­sos acu­sa­dos do homicí­dio de um empresário, torturaram-​nos e os mataram. Os blogues do estado divul­garam as ima­gens do fato – que não tive cor­agem de assi­s­tir.
A segunda, vinda de Col­i­nas, cidade com pouco mais de 40 mil habi­tantes, narra que ladrões “estouraram” uma agên­cia bancária, uma refém foi vítima de “bala per­dida” ou exe­cu­tada. Quando os ban­di­dos fugi­ram do local deixando a vítima nas ime­di­ações de onde ocor­rera o delito «pop­u­lares» cor­reram para o banco para pegar e se apro­priar dos maços de din­heiro deix­a­dos pelos ban­di­dos. Mais que isso, algu­mas fontes nar­ram que fes­te­jaram a “sorte” que tiveram com a empre­itada.
Os dois episó­dios nada têm, em princí­pio, com a decisão tomada pelo STF, mas rev­ela aspec­tos inter­es­santes da sociedade em que vive­mos. No caso de São Bernardo, pop­u­lares, suposta­mente, incré­du­los com a ação do Estado em punir malfeitores a ponto de tor­tu­rarem e exe­cutarem aquele(s) que come­teram um crime hediondo. Fazendo isso pub­li­ca­mente, à luz do dia, alguns exibindo o rosto às claras e sem receio.
Já no episó­dio de Col­i­nas, tais pop­u­lares não demon­straram tanto pesar pelo perec­i­mento de uma vítima inocente da ação dos facíno­ras, pelo con­trário, acharam opor­tuno tirar uma van­tagem pes­soal de uma ação odi­enta, indifer­entes ao sofri­mento da vítima e de sua família se locu­ple­taram, tam­bém eles, do roubo.
Se chegarem aos autores dos fatos de São Bernardo, estes, con­fronta­dos com a Justiça decerto que dirão que agi­ram em nome da justiça, con­tra a impunidade, etc.
Já os de Col­i­nas dirão que foram capazes de roubar o banco igno­rando a vítima por que viram “out­ros” fazendo o mesmo.
Em ambos os episó­dios a questão de fundo é a impunidade. Uns dizendo que agem con­tra a impunidade e out­ros na certeza que aquilo que fiz­eram sairá impune.
Aqui, os três episó­dios con­fluem: os bár­baros acon­tec­i­men­tos do inte­rior da Maran­hão e a decisão do Supremo. Todos têm por móvel a impunidade.
Não é atoa que os veícu­los de comu­ni­cação trataram a decisão do STF como histórica no com­bate a impunidade, colo­cando na mesma matéria tanto as decisões dos min­istros quanto os casos sím­bo­los de impunidade no país.
O caso de Pimenta Neves que tendo matado a namorada, sendo ré con­fesso, exper­i­men­tou, tar­dia­mente poucos dias na cadeia.
O caso do ex-​senador Luís Estevão que tendo sido con­de­nado pelo roubo de mil­hões de uma obra em São Paulo per­manece solto de recurso em recurso.
O caso do juiz Nico­lau dos San­tos Neto; e tan­tos out­ros casos emblemáti­cos que fazem o cidadão comum crer que a Justiça trata de forma difer­ente uns e out­ros.
Reputo o com­bate à impunidade uma urgên­cia nacional tão impor­tante quanto o com­bate ao mos­quito Aedes Aegypti, mos­quito respon­sável pelas pre­ocu­pações de quase todos os brasileiros. Aliás, a infes­tação de mos­qui­tos se deve ao fato de muitos dos respon­sáveis pelos recur­sos públi­cos estar soltos.
A decisão do STF vai além de “pre­ocu­pante» con­forme manifestou-​se, tim­i­da­mente, a Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil — OAB, ela avança sobre umas das garan­tias con­sti­tu­cionais mais caras inseri­das na Con­sti­tu­ição do país.
Está lá no artigo 5º, inciso LVII: ninguém será con­sid­er­ado cul­pado até o trân­sito em jul­gado da sen­tença penal con­de­natória.
Estou con­victo que a decisão, por maio­ria, do Supremo vem ao encon­tro do anseio da larga maio­ria do povo brasileiro que clama pelo fim da impunidade, sobre­tudo, daque­les que sem­pre se mostraram inat­ingíveis pela lei que dev­e­ria ser para todos e, longe, de mim, por outro lado defender a impunidade.
Ape­sar disso, entendo que há algu­mas questões que mere­cem ser respon­di­das:
A primeira delas é que ao Supremo não cabe ree­scr­ever a Con­sti­tu­ição. Por mais que lhe caiba fazer a inter­pre­tação da mesma, não lhe têm os min­istros, o poder de dizer que aquilo que está escrito pode ser inter­pelado de outra forma.
A segunda questão é que, emb­ora a intenção da maio­ria do Supremo seja boa, o com­bate à impunidade, como disse é uma urgên­cia, tenho dúvi­das se não estão come­tendo um mal maior.
Não há for­mas mais efi­cazes de se com­bater a impunidade? Não exis­tem mecan­is­mos que façam a Justiça fun­cionar com mais efi­ciên­cia e rapi­dez?
A sociedade não pode ser con­strangida à escolha de Sofia.
Em nome do fim da impunidade, abrir mão do prin­ci­pio con­sti­tu­cional da pre­sunção da inocên­cia.
O min­istro Celso de Mello, decano do STF, e um dos votos-​vencidos na matéria que dotou país de uma nova ori­en­tação, em entre­vista em rede nacional, trouxe uma questão que con­sidero gravís­sima. Ele, que com­põe aquele cole­giado desde 1989, asseverou que 25% (vinte e cinco por cento) das matérias crim­i­nais que chegam aquela Corte, através de recur­sos extra­ordinários são refor­madas.
O número é espan­toso. Poucos casos chegam ao Supremo, se destes 25% (vinte e cinco por cento) são refor­ma­dos, quan­tos não o são no Supe­rior Tri­bunal de Justiça — STJ, onde os recur­sos chegam com mais fre­qüên­cia e abundân­cia?
Em vigor a nova ori­en­tação, quan­tos inocen­ta­dos pos­te­ri­or­mente, não terão amar­gado o cárcere? Quem pagará por isso? Cri­arão uma tabela dizendo quanto vale cada dia em o cidadão inocente pas­sou preso?
Claro que pre­cisamos averiguar se esse número de decisões refor­madas não é um dos sub­pro­du­tos da impunidade. Mas, ainda que seja menos, o encar­ce­ra­mento de um inocente, por um dia que seja, não pode ser tro­cada por dez, cem ou mil cul­pa­dos soltos.
A grande questão é esta: se vale a pena encar­cerar inocentes em nome do com­bate à impunidade.
Na minha opinião nada é mais impor­tante que a liber­dade de um inocente, ainda que para garan­ti­mos essa liber­dade ten­hamos que tol­erar alguns cul­pa­dos soltos.
No dia seguinte após a decisão do Supremo, ten­tando encon­trar algo de pos­i­tivo na mesma, dizia a um colega: – agora, os jul­gadores de primeira e segunda instân­cias, diante da tamanha respon­s­abil­i­dade que é man­dar um inocente para cadeia, tomarão muito mais cuidado na hora de jul­gar, verão se de fato o crime foi cometido, de forma e por quem.
Con­hece­dor de mais coisas que eu, ele me des­en­co­ra­jou: – para os inocentes, as coisas ficarão bem mais difí­ceis.
Será que o que nos espera é mesmo a bar­barie?
Abdon Mar­inho é advo­gado.
* Texto pub­li­cado em 2016, por ocasião da decisão do STF sobre cumpri­mento da pena após con­de­nação em segunda instância.